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Entrevista com Maurício Velloso – O Visionário da Pecuária

Engenheiro-agrônomo, pecuarista de leite e de corte, consultor e palestrante, Maurício Velloso é uma das vozes mais atuantes da pecuária nacional.

À frente da Associação Nacional dos Confinadores (Assocon), ele também integra comissões estratégicas da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg), da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), do Ministério da Agricultura e Pecuária, do FUNDEPEC SP e de conselhos ligados ao agronegócio. Recentemente, participou da criação da União Nacional da Pecuária – agremiação que congrega associações e entidades pecuárias afins, com o objetivo de representar o pecuarista nas discussões de temas nacionais do setor.


Você é nacionalmente conhecido como produtor de vanguarda, representante da pecuária e formulador de políticas públicas. De onde vêm esses talentos? Conte um pouco da história da sua família e da sua juventude.
Nasci em Santos, SP. Pai advogado, mãe pianista, ele prático, ela artista. Ambos cultos e rigorosos, viveram exclusivamente para os filhos e netos. O avô paterno, espanhol, foi fruticultor de banana e laranja e, ao fim do século XIX já exportava para a Argentina e Uruguai.

O avô materno, oficial do exército e leitor primoroso, exemplo de comprometimento, capricho e organização. Tive quatro mães: a que me pariu, Maria da Glória, as que me criaram, a “mãe branca” - a saudosa avó espanhola, Maria - a “mãe preta”, Jovelina, anjo de bondade e amor indescritíveis (mas “arrochava” quando preciso), e minha madrinha Therezinha. Cultuar, reconhecer, respeitar, proteger e apoiar a mulher são hábitos aprendidos no convívio da família e casais amigos dos meus pais. O meio em que vivi era de gente reta, culta, promotores do debate, do aprimoramento pessoal e da responsabilidade social. 


Desde a mais tenra infância fui instado a cumprir obrigações diárias, e bem-feitas. Dizia-se, à época que, “quem trabalha ora duas vezes”, que “direitos só se conquistam após o cumprimento dos deveres”, “faça bem feito para fazer uma só vez” e, finalmente, a lição da querida avó espanhola, “Filho, tu podes aprender de duas formas: por bem e por mal. Qual tu escolhes?” Conforme crescia, continuava a receber estímulos em ser, nunca parecer, a dedicar-me ao esporte, ao estudo, à cultura e ao trabalho. E sempre presente, as lições aprendidas sobre respeitar a diversidade e contribuir com aqueles menos aquinhoados.


Fiz o estudo médio no Colégio Rio Branco, em São Paulo, onde joguei rugby, chegando a ser capitão da seleção brasileira (1978), e também cantei no Madrigal do colégio. Os amigos e amigas da época, cultivo-os até hoje. A faculdade, cursei Engenharia Agronômica na UNESP de Jaboticabal.

Uma visão constrói-se com conhecimento, relações com lideranças e, em muitos casos, com a orientação por mentores. Quem foram as pessoas que lhe conduziram em sua caminhada?
Tive muita sorte nesse quesito, tendo vários e formidáveis mentores. Entre todos, o mais relevante e presente, meu pai. Em segundo, bem próximo a ele, meu padrinho, Dr. Nelson Manoel do Rêgo, meu preceptor espiritual, Dom Manoel Pestana Filho, e meus avós.  

Foram outros formidáveis provocadores, também presentes, ao meu cotidiano, o Dr. Roberto Rodrigues, meu professor na UNESP de Jaboticabal, o Dr.  Moacyr Corsi,  Dr. Adílson Aguiar, José Luiz Tejon, profissionais brilhantes e amigos queridos, e o saudosos, visionários e queridíssimos Jorge Matsuda e  Dr. Fernando Penteado Cardoso. Muito especialmente, reservo espaço exclusivo ao “irmão de velas” Amyr Klink (ele quem me chama assim), inspiração permanente a romper paradigmas, inovar e fazer. 

A direção, bem como a velocidade de uma trajetória costuma ser definida por chamados Defining Moments. Quais foram os eventos que mudaram ou aceleraram suas atividades na fazenda, em organizações representativas ou na vida pública?
A direção foi tomada na elaboração de um projeto para recuperar a economia de Porangatu, então decadente, devido ao fim da prática agrícola na região por uma decisão equivocada do Banco do Brasil, à época, fim dos anos 80.

Eu era diretor para assuntos agropecuários da Associação Comercial, Industrial e Agropecuária de Porangatu, e desenhamos um projeto a ser executado por etapas anuais. O primeiro ano contemplava o fim da prática das queimadas, com o slogan “Queimada, apague essa ideia”. Ora, isso sendo prática corrente e cultural, carecia da agregação de toda a sociedade organizada, sem exceção. Assim foi feito e, incrivelmente, houve adesão social maciça. Esse insight foi decisivo, aprendizado que uma só andorinha não faz verão.

Em seguida, para que houvesse revisão do regramento que cerceava o crédito agrícola para o norte de Goiás, fundamos uma associação privada, de agropecuaristas, a PRONORTE, onde praticávamos agricultura em áreas degradadas, demonstrando a real condição produtiva da região.

Mais uma vitória da organização classista, mais uma lição aprendida. Em sequência fui chamado a ocupar outros encargos, como presidente do Conselho de Desenvolvimento Agropecuário Sustentável e Secretário de Agricultura, em Porangatu. Entretanto, uma das mais didáticas e expressivas experiências classistas, vivi na presidência da Comissão de Pecuária de Corte da FAEG. Foram seis anos de muito trabalho, vivência e aprendizado, e muita gratidão à extraordinária equipe da FAEG e do SENAR Goiás e ao seu presidente José Mário Schreiner.

É difícil entrar em contato com você, pois sempre está viajando. Como consegue equilibrar as diversas tarefas entre trabalho, palestrar, família e descanso?
A única atividade mais prazerosa que produzir alimentos é transformar pessoas. Portanto, o trabalho em fazendas e fazer palestras, é um delicioso exercício de aprimoramento onde, quem mais aprende sou eu. E, sem qualquer dúvida, o tempo precioso passado com a família é o meu maior impulso pela superação permanente. Quanto a descansar, assim que sentir necessidade disso, adotarei. 

O que falta para que o agronegócio, e nomeadamente a pecuária, possam atingir em sua maioria a transição do nível atual de 3.0 para a qualidade do futuro definida como 5.0?
Agronegócio é produção agropecuária organizada. Esse imenso e riquíssimo Brasil tem carecido de políticas públicas sérias no que tange a infraestrutura, crédito e seguro rurais, geração de conhecimento regional e sua disseminação. O modelo tem sido o da perpetuação do ciclo da pobreza. Sim, há ilhas extraordinárias de tecnologia, produtividade e riqueza, mas concomitante a isso, há milhares de proprietários precisando de auxílio para não serem excluídos da atividade. São esses milhares, seus colaboradores e suas famílias que precisam de apoio sério.  


 
A continuação do domínio do Brasil no mercado global dos alimentos depende da incorporação contínua de novas tecnologias nos processos produtivos da pecuária. Como está avaliando as perspectivas da co-gestão entre pais e filhos no campo?
Começo dizendo o que disse e digo aos meus filhos: “herança não deve ser cruz”. A atividade fazendeira deve ser executada por quem tem aptidão e, sugiro, também paixão. Isso posto, vejo com entusiasmo a integração simbiótica entre pais e filhos, entre avós e netos. Muito da experiência ancestral é clássica, sempre atual, e deve ser cultivada integrada à inovações customizadas que se provem eficazes e rentáveis.

Quais orientações pode dar para os sucessores nas fazendas no sentido de assumir funções representativas em associações de classe, cooperativas e em grupos de compras e vendas que podem resultar em melhorias na gestão?
Primeiramente, sobre associar-se, relembro o velho adágio: “catitu fora da manada é comida de onça”. Associados somos mais fortes e mais respeitados. Em segundo, compras e vendas em grupo geram escala, e isso gera poder - para comprar melhor e para vender melhor. É estratégia sentida no bolso. 

Aproveitando do seu talento de visionário, como as novas tecnologias, e nomeadamente a inteligência artificial, podem influenciar os modelos de gestão das fazendas? E como os produtores rurais podem e devem adquirir conhecimentos sobe a nova modelagem de processos na agropecuária competitiva?
A inteligência artificial só tem valor quando aplicada com foco sob a orientação e crítica da inteligência natural. Isso obedecido, torna-se ferramenta indispensável de otimização, precisão e agilização dos processos produtivos, comerciais, logísticos e creditícios.



O grande desafio da nova pecuária não é adquirir conhecimento, fartamente democratizado pelas plataformas digitais.

O verdadeiro desafio está em transformar o conhecimento em competência, que é a habilidade em aplicar o conhecimento. Saber fazer, saber executar, adequando a técnica a cada uma das inúmeras propriedades e suas particulares realidades.

 

“A atividade fazendeira deve ser executada por quem tem aptidão e, sugiro, também paixão.”

 

 


Por Francisco Vila
Fotos: Divulgação 

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