Entrevista com Roberto Rodrigues 

Pai de quatro filhos e oito netos RR (como é conhecido entre amigos) é engenheiro agrônomo pela USP, com cursos de aperfeiçoamento em administração rural.

Ele coordena o Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas e foi professor do Departamento de Economia Rural da UNESP – Jaboticabal, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP durante 3 décadas. É autor de dez livros e coautor de diversos outros. Sua carreira tem três vertentes principais: acadêmica, agrícola e cooperativista. 


Foi Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (janeiro de 2003 a junho de 2006), presidente da Associação Brasileira do Agronegócio – ABAG e da Sociedade Rural Brasileira – SRB. Em 2012, foi nomeado “Embaixador do Cooperativismo” pela ONU e vencedor do prêmio da Aliança Cooperativa Internacional.


Como agricultor, recebeu vários prêmios nas áreas ambiental, social, de conservação do solo e de produtividade, e também a Ordem do Mérito Agrícola, no grau de Cavaleiro, concedido pelo governo da França. 


Foi membro de vários Conselhos, representando o agronegócio, tais como o Conselho Monetário Nacional – CMN, Conselho de Crédito Rural e Agroindustrial – CCRA, Conselho Nacional do Agronegócio – CONSAGRO, Conselho Nacional de Política Agrícola – CNPA, Conselho Nacional de Comércio Exterior – CONCEX, Conselho da World Wildlife Foundation – WWF. É Membro da Academia Nacional de Agricultura e de diferentes conselhos de empresas líderes do agronegócio. RR continua presente nos principais eventos do Agro no Brasil.


Quem foram seus mentores?
Tive muitos mentores ao longo da vida, e continuo tendo. Hoje, meus filhos são excelentes mentores. Mas no passado mais remoto, no início da vida profissional, diria que três pessoas tiveram funções mentoriais. O primeiro foi meu pai, Antonio José Rodrigues Filho, engenheiro agrônomo e líder rural regional – onde vivíamos, no interior de São Paulo - que me passou o espírito associativo, a necessidade do pensar no coletivo. O pai dele, cafeicultor em Tietê, havia "quebrado" com a crise de 1929, despertando em meu pai a preocupação com a defesa da classe rural.


O segundo foi o Secretário da Agricultura de São Paulo, o também engenheiro agrônomo Glauco Pinto Viegas, escolhido pelo Governador Laudo Natel em seu mandato tampão após a cassação de Adhemar de Barros em 1966. Convidado por ele para um cargo em seu Gabinete, recém-formado, aprendi com esse homem notável os caminhos para enfrentar a burocracia estatal para desenvolver a agropecuária com políticas públicas adequadas.

Foi uma intensa escola de vida ao lado de gente decente e bem-intencionada. O terceiro foi um velho pescador – vivia da pesca no Rio Mogi Guaçu - que encontrei numa pequena propriedade rural que comprei em 1973, o senhor Otávio de Souza, que até hoje chamo de meu Sidarta particular. Vivendo há mais de 40 anos na beira do rio, este homem semianalfabeto desenvolveu uma "cultura" única, a partir da observação dos fenômenos da natureza. E me ensinou tudo o que sabia ao longo de muitos anos de um convívio fraterno. Suas aulas eram de uma sabedoria exemplar, tudo muito simples e muito profundo ao mesmo tempo.


Como filho de produtor rural, a formação em agronomia era tão evidente que não considerou outra opção profissional?
Ouvia frequentemente na casa paterna, sempre muito visitada por produtores e lideranças rurais, como o campo era maltratado por governos, com falta de apoio oficial, e descaso da sociedade urbana que se desenvolvia rapidamente, em especial com a industrialização acelerada do governo Kubitshek. Por isso pensava em ser Juiz de Direito, para trazer a justiça para o setor rural.


No entanto, ao acompanhar meu pai ainda menino em reuniões de associações rurais, fui percebendo que nelas poderia haver o instrumental de defesa tão sonhado.

Mas o empurrão definitivo foi quando um trio de agrônomos recém-formados na ESALQ passou um carnaval na fazenda (um deles era noivo de uma prima que passava as férias em casa).

Esses jovens mostraram que a agronomia era muito mais do que tecnologia ou processos de produção. A carreira oferecia um enorme leque de alternativas que passavam pela economia e sociologia rural, organização de produtores, formulação de políticas públicas, análises de comércio internacional, legislações específicas e tantas outras linhas de atuação que cobriam com folga todos os anseios do jovem idealista. Foi a partir daí que decidi pela agronomia.

Olhando para sua trajetória parece tudo lógico e bem programado. Foi assim mesmo? Quais foram os “defining moments” na sua vida tripla de produtor rural, professor e gestor público, além da liderança internacional do cooperativismo?
Na realidade, nunca programei ou procurei assumir cargos de qualquer natureza, privados ou públicos. As coisas aconteceram naturalmente. Como engenheiro agrônomo e gerente da fazenda da família, cargo que assumi em março de 1967, quando meu pai foi chamado para um cargo no governo Sodré, introduzi uma série de inovações tecnológicas e gerenciais aprendidas na ESALQ, que permitiram dar um salto de produtividade agrícola e consequente resultado financeiro. Por causa disso fui convidado para ser Diretor da Cooperativa de Produtores de cana de Guariba pelo seu presidente, um sério agrônomo de Jaboticabal, Rogério Orsi, dois anos depois, em 1973, Orsi me passou a Presidência, e tratei de desenvolver na Cooperativa ações para fortalecer os cooperados que havia introduzido na fazenda da família. Foi um sucesso para o qual contei com o trabalho de um grande gerente comercial, Wladimir Zunckeller, que multiplicou as vendas da cooperativa.

Em 1974 criei uma cooperativa de crédito rural cuja administração foi entregue a outro especialista, Cacaio Pongitor, que havia sido gerente de uma agência bancária e transformou a jovem instituição num pequeno banco regional, isso chamou a atenção do presidente da OCESP, o grande líder cooperativista Américo Utumi, que me convidou a liderar um grupo para criar outras cooperativas de crédito no Estado de São Paulo. Deu tão certo que fui convidado a ser Diretor Executivo da OCESP no mandato de Rubens de Freitas, que sucedeu a Utumi.

Mas esse, como vice-presidente da OCB, me levou a chefiar um outro GT para criar cooperativas de crédito em todo o país. Como resultado, fui eleito presidente da OCB em 1985, mesmo contra minha intenção. Daí a presidente da Aliança Cooperativa Internacional, eleito por aclamação (primeiro não europeu da centenária instituição) e outros convites que recebi, foi apenas uma sucessão de fatos não planejados e, em muitos casos, não desejados. Mas aconteceu... 

Como costuma descobrir, avaliar e desenvolver talentos, tanto na academia, como em suas equipes empresariais e cargos públicos? 
Ah! isso é simples: observando. E priorizando o caráter, os valores e princípios – especialmente dos jovens, em geral idealistas – seu espírito público, seu patriotismo e a disposição para servir ao coletivo. O desapego a cargos e riquezas também ajuda, mas o essencial é a busca da felicidade a partir de um conceito: felicidade não será jamais uma estação de chegada, mas é a viagem em si. Viagem que é o trem da vida, sobre dois trilhos, o amor e a justiça, impulsionado pelo combustível da esperança de poder ajudar a construir um mundo melhor. Finalmente, busco quem tenha clareza de que ambição, vaidade e orgulho são características necessárias, desde que na medida certa. E se passar disso, são agentes da destruição. Ah, é fundamental ter alegria de viver!

Como pode orientar os jovens para que eles se interessem mais pela 'causa pública', e não apenas criticar os representantes políticos?
Tenho a impressão de que se trata de vocação. Não me parece que qualquer pessoa possa se interessar pela causa pública. Mas há um ponto que pode melhorar essa perspectiva: educação de base. O material escolar – apostilas e livros – adotado pela maioria das escolas de ensino fundamental e médio tem uma versão negativa sobre a agricultura brasileira, bastante ideologizada e sem base científica (fato comprovado em pesquisa realizada pela FIA da USP), o que vai formando gerações de pessoas que antipatizam com o campo, desestimulando o interesse em investir na causa pública que busque políticas de desenvolvimento equilibrado em todos os setores ao redor das cadeias produtivas.

Mudar isso é essencial. Por outro lado, as tecnologias voltadas para a sustentabilidade da produção agroindustrial, a busca da descarbonização nos sistemas produtivos e a necessidade imperiosa de que as leis sejam cumpridas (acabar com o desmatamento ilegal urgentemente, sem tolerância, impedir grilagem e invasão de terras, impedir garimpos ilegais, cumprir o Código Florestal) são fatores tão cruciais para a competitividade sustentável do agro brasileiro, que não há como ignorar a importância das políticas públicas e da própria causa pública. Portanto, basta mostrar isso insistentemente, sem contemplação, que provavelmente jovens idealistas se interessarão pelo tema.

Pode nos dar alguns exemplos sobre como costumou envolver seus estudantes em projetos ainda durante o período de faculdade?
(os projetos de construir grupos de líderes que contou em nossa conversa).
Fui professor de Cooperativismo na UNESP-Jaboticabal por cerca de três décadas, e foi um período muito agradável, em especial por causa do convívio com alunos fora da sala de aula. Tive muita sorte, porque foi um período de grandes transformações no agronegócio brasileiro e mundial e o cooperativismo teve um papel fundamental nessas mudanças, criando condições para inserir no processo produtivo milhares de pequenos e médios produtores que individualmente teriam desaparecido.

Ao mesmo tempo, trabalhava também em cooperativas ou suas entidades de representação, o que me permitiu incluir alunos ou ex-alunos em projetos de modernização dos sistemas de produção com resultados concretos. Isso os entusiasmou a seguir em funções de liderança, e grandes comandantes surgiram no processo. Poderia citar muitos nomes, mas fico com alguns poucos, como Ismael Perina, que começou sua vida como agrônomo quando foi criado o Sistema de Pagamento de Cana pelo Teor de Sacarose e montei um sistema de controle de qualidade da cana dos fornecedores da Coplana, em Guariba. Ismael se apaixonou pelo tema e virou um grande líder do setor e do cooperativismo nacional. Monika Bergamaschi, outra gigante, liderou a ABAG de Ribeirão Preto com tanta competência que virou Secretária de Agricultura de São Paulo, hoje, admirada e respeitada em todo o país. José Rossato se tornou presidente da Coplana, Antonio Carlos Costa é o chefão de todo o setor agro e de sustentabilidade da FIESP, Cecília Fagan é a admirada comandante do Centro de Agronegócio da FGV, com muito sucesso no Observatório de Bioeconomia, Marcos Landell é o craque da pesquisa em cana e chegou a Diretor Geral do Instituto Agronômico de Campinas. Foram muitos os jovens que se destacaram como estudantes e hoje ocupam posição de comando em entidades e associações de classe.

Em recente viagem que organizou para sua família (três gerações) para países europeus encontrou formas inovadoras para incentivar a convivência e diálogos entre todos. Qual foi o método?
Essa viagem, para a qual foram meus quatro filhos e cônjuges e meus oito netos (dois com cônjuges também), tinha um objetivo central: mostrar para todos que a família é o último e maravilhoso refúgio para qualquer pessoa. Em outras palavras, foi um hino ao amor. E tinha um subproduto, de caráter turístico cultural, que era mostrar como aqui está tudo por fazer, abrindo aos jovens uma ampla perspectiva de realizações.


Com tantos livros importantes já publicados, qual é o livro que ainda pretende escrever?
Pretendo escrever um romance, cujo pano de fundo seja a história econômica da região de Ribeirão Preto, desde a chegada do café e as razões para sua paulatina substituição pelo algodão, depois pelo negócio sucroenergético até os novos tempos com a soja, o amendoim, o leite e outras atividades. O fio narrativo será um crime cometido por quatro amigos. Mas não estou achando tempo para escrever este romance. Vamos ver quando vai sair.
 
A recente edição de uma biografia sobre sua vida representa uma crônica interessante sobre a transformação do agro, da relevância do Brasil e sobre importantes lideranças durante esse processo. Pode indicar o autor e a editora?
O autor é um amigo, o escritor, jornalista e professor Ricardo Viveiros, e o livro é resultado de um projeto da OCB, que queria contar minha participação nos movimentos que transformaram o cooperativismo brasileiro. Por pura sorte minha, fui Presidente da OCB na democratização do Brasil, pós regime militar, quando foi convocada por José Sarney uma Assembleia Nacional Constituinte que culminou com a proclamação da Constituição de 1988. Como estava na Presidência da OCB, tive a oportunidade de coordenar um timaço de líderes cooperativistas de todo o país que nos permitiu inserir na nova Constituição cinco artigos cuidando do cooperativismo, inclusive dois fundamentais: o que deu a auto-gestão ao Sistema sob o comando da OCB e o que abriu o mercado para as cooperativas de crédito. Também filiei a OCB à centenária Aliança Cooperativa Internacional da qual fui mais tarde o primeiro presidente não europeu. Pois bem, a OCB quis contar essa história, que acabou caindo no colo do amigo Ricardo Viveiros. E ele escreveu como amigo, me creditando méritos que não são meus, e sim de todo o movimento cooperativista por sua gente maravilhosa. A editora é a Reflexão.

 


OLHOS
“a família é o último e maravilhoso refúgio para qualquer pessoa.”

                                “O essencial é a busca da felicidade a partir de um conceito: felicidade não será jamais uma estação de chegada, mas é a viagem em si.”

 

 

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Por Francisco Vila

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