Andréa Mesquita, Zootecnista, pela UNESP-Botucatu, MBA em Negócios do Varejo: Estratégia & Gestão na FIA Business School; Fundadora e atual CEO do Território da Carne; Co-fundadora do Programa C@rne 4.0; Passagens anteriores: JBS, 481 e experiências profissionais fora do país.
Confira a entrevista exclusiva a Perfil!
Por Francisco Vila
O que motivou e como começou a sua paixão pela carne?
Quando me formei na faculdade, sinceramente, achei que iria trabalhar com suínos. Sempre foi uma área de atuação com maior afinidade durante a graduação e estágio de conclusão de curso. Mas, a vida do recém-formado nem sempre é sobre o que esperamos e sim o que o mercado espera de nós.
Antes mesmo do ano terminar, dias após a colação de grau, me inscrevi em um processo seletivo de trainee na gigante JBS e, para minha surpresa – mesmo sem muita experiência (e desejo) em atuar no ramo de carne bovina, eu fui aprovada para passar seis meses em uma das unidades de abate e processamento. Ali começou minha relação com a indústria. Após esse período de imersão, passando por todos os processos operacionais e gerenciais do frigorífico, notei uma infinidade de oportunidades de aprofundamento.
Foi então que passei a compor o time dos especialistas de Pesquisa & Desenvolvimento da matriz, em São Paulo. Os próximos dois anos, foram no modo “esponja”, como dizia um gestor meu na época. Eu aprendi de tudo um pouco, desde comercial, marketing, operações, compra de boi, venda de carne, processos, financeiro etc. Foi uma verdadeira escola.
Até que, certo dia, após dois anos e meio de vivência em multinacional, me vi pensando em novos desafios (não que lá eu não tivesse, muito pelo contrário). Me deparei com a pergunta: quero seguir sendo a pequena entre os grandes ou ser a grande entre os pequenos?
Eu não sabia, mas esse movimento seria o grande precursor para o que eu vivo hoje, à frente do Território da Carne.
Com 26 anos assumi um desafio de gerenciar a produção de uma indústria de menor porte, a Prime Cater, cujo produto principal era carne de altíssima qualidade – ela era produtora das marcas 481 e DOC na época. Praticamente a mais nova entre os colaboradores e a única mulher, ali que começou minha jornada de aprendizado com pessoas.
Junto com a oportunidade de crescimento, vieram os desafios e, ao lidar com o mercado de food service e varejo, comecei a notar a quantidade de informações técnicas que faltavam no meio, resultando em recorrentes perdas de produtos – seja por falha no transporte, descarregamento, armazenamento, cocção, processo de cortes, treinamento das equipes etc. Não digo que era apaixonada pelo mercado de carnes, mas estava determinada a contribuir com aquilo que eu já sabia e com o que eu ainda iria aprender.
Foi então que, em 2015, após um fato interessante, surgiu a ideia do Território da Carne: um cliente desta fábrica, por alguma falha durante o processo de recebimento/armazenamento da carga, perdeu algumas mercadorias pelo fato de terem ficado fora de refrigeração e, sem compreensão alguma do processo produtivo, pediu “reposição”. Me lembro como se fosse hoje, eram 32 porções de Flat Iron, um corte nobre do dianteiro do animal. Ali, naquela pequena caixa, havia o equivalente a 16 animais que foram cuidadosamente produzidos para conferir um padrão de qualidade superior. Meu pensamento era “como assim repor em minutos o que demorou anos para ser produzido?”
Essa situação talvez tenha sido o estopim para nascer minha determinação em defender um mercado que não tinha consciência o suficiente para respeitar qualquer grama de carne produzida. Ali surgiu a ideia de começar a comunicar pelas redes sociais o que eu sabia sobre carne, conservação, produção, qualidade, consumo etc.
Onde nasceu? Conte um pouco sobre sua família, formação e dos primeiros passos na vida profissional e empresarial.
Sou de uma família paulistana, todos nascidos na capital paulista, filha da Sandra, uma mercadóloga, de consolidada carreira corporativa e Adalberto, vendedor nato. Tenho uma irmã Adriana, e um irmão Rodrigo, formados em comunicação com ênfase em marketing. Ou seja, família de exímios comunicadores.
Desde pequena, nunca escondi o amor pelos animais, a afinidade pelo campo e o interesse por esta área, enquanto nitidamente o restante da família não queria nem que um inseto chegasse perto.
Sabe aquela história de vocação e propósito? Deve ter vindo de lá.
Antes de entrar efetivamente na Zootecnia, prestei veterinária e cheguei a cursar durante duas semanas. A falta de recursos para me manter em uma faculdade particular em São Paulo e o meu nítido desinteresse em estudar pet foram determinantes para que, quando saiu a aprovação do curso de Zootecnia em Botucatu, eu não pensasse duas vezes para fazer as malas e ir.
Durante a graduação, mesmo com as dificuldades financeiras e trabalhando nas festas da cidade para ajudar a pagar as contas, sempre busquei aproveitar todas as oportunidades de aprendizado sobre este mundo novo da produção animal. Por vezes, me lembro de ter ficado completamente perdida em alguma disciplina que necessitasse de um conhecimento prévio em plantio, solo, manejo – técnicas que eu nunca havia visto antes.
Mas isso não me parou, pelo contrário, me motivou a ir atrás de mais e mais recursos que me fizessem “correr atrás do tempo perdido”. Me cobrava demais e a biblioteca era minha segunda casa, já que na época nem computador em casa eu tinha.
Cinco anos depois, me formei zootecnista, pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). 10 anos depois conclui o Master of Business Administration (MBA) em Negócios do Varejo: Estratégia & Gestão na FIA Business School.
Em resumo, a minha jornada profissional teve início na JBS, liderando projetos de redução de custo na ordem de milhões ao ano em mais de 40 frigoríficos. Segui, após me deparar com o desafio de gerenciar a produção de uma indústria de cortes premium porcionados, onde são produzidas as marcas D.O.C. e 4.8.1. Lá também liderei as áreas de Qualidade e Pesquisa & Desenvolvimento. Essas experiências permitiram contato com os mais bem-conceituados restaurantes e casas de carne do segmento, vivenciando de perto suas maiores dificuldades e, também, absorvendo suas melhores práticas.
Em 2016, logo após idealizar o Território da Carne, como desejo de ter uma vivência internacional, tive a oportunidade de trabalhar em uma grande empresa de produção de suínos, em Nebraska, nos EUA. Foi um momento ímpar na minha carreira, de muito aprendizado sobre o modelo norte americano de trabalhar.
Na volta, como um período sabático, tirei o ano de 2017 para estruturar meu novo negócio de educação: o Território da Carne já estava mostrando para que veio e me permitiu uma dedicação que eu jamais tive com um projeto. Foi realmente um aprofundamento no que eu queria ver dali a 10 anos com a minha recém-criada empresa.
Em 2018/19, ainda me sentindo “despreparada” para o que o Território da Carne precisava, sai em expedição por mais de 60 cidades distribuídas em nove países para investigar o que os diferentes tipos de estabelecimentos desse mercado estariam fazendo e quais eram os seus principais desafios dentro do ramo. Conheci pessoas de tudo quanto é tipo e isso me deu uma bagagem importantíssima para criar as primeiras soluções, hoje, já difundidas na empresa.
De lá para cá, foram anos de melhoria contínua para atender com excelência os mais de 1000 alunos que já passaram por alguma das nossas metodologias, seja para profissionais de dentro ou fora da porteira do mercado de proteína bovina.
Ao todo, são mais de 13 anos de trabalho, nos quais me renderam alguns importantes reconhecimentos como estar entre os 20 Zootecnistas de maior destaque do país pelo Beef Point em 2018; entre os 5 Zootecnistas mais influentes do mercado em 2019 pela Associação Brasileira dos Zootecnistas; entre os TOP FIVE Agro Influenciadores mais lembrados do Brasil pelo portal Agro de Respeito; entre as melhores influenciadoras do agro, pela Compre Rural, em 2020, entre as 20 mulheres inovadoras de AgTechs pela Forbes Agro; indicada em 2023 ao Prêmio Top Empresarial Internacional, na categoria Excelência e Inovação no Setor Agropecuário e, em 2024, reconhecida como a Zootecnista do Ano, pela Associação Brasileira dos Zootecnistas.
Projeto Futuro Açougue - Explique o conceito:
O Futuro Açougue surgiu da necessidade em compartilhar com gestores de açougues, ações e estratégias que os ajudem a melhorar o desempenho do negócio, para isso desenvolvemos o projeto de um “açougue ideal”, que leva em consideração o comparativo com as redes de farmácia e as estratégias utilizadas por esse tipo de mercado para atrair e fidelizar o consumidor.
Como parte da programação do SAVCARNES - Salão do Varejo de Carnes, durante a Expomeat 2024, em São Paulo (SP), o espaço contou com a participação de 20 empresas parceiras, que demonstraram produtos, equipamentos e serviços que todo dono de açougue deveria conhecer.
Um dos destaques desse ambiente foi o “aquário”, uma área que representou cenograficamente uma sala de vidro com temperatura e acesso controlados, a fim de oferecer o máximo em segurança alimentar. Nessa sala, foi possível encontrar diversas inovações para o dia a dia de um açougue, como bancada de manipulação refrigerada, fatiadora de peito de frango, hamburgueira, balança à prova d’água, mesas e utensílios de inox, serra fita, moedor e facas.
Durante o encontro também promovemos degustação de diferentes cortes e produtos encontrados em açougues, dos mais comuns, até mesmo os mais inovadores, como o sorvete de caldo de ossos, demonstrando uma enorme oportunidade de difundir ainda mais os produtos revendidos neste tipo de comércio.
Todas essas iniciativas levam em consideração a importância de se pensar na experiência do consumidor, que exige o alinhamento entre os seguintes fatores: localização, desenvolvimento de fachadas e áreas internas atrativas, elaboração de um processo assertivo de compra de mercadorias, mão de obra e formação de preços objetivas, gestão de informações, padronização de processos, busca contínua por ações de fidelização, proximidade com o digital e delivery, além do foco em educação continuada.
E como contei em minha palestra, é muito comum ver a farmácias andando em grupo, ou seja, trabalham unidas e assim desenvolveram um sistema muito eficaz de negócio baseado em dois pontos: disponibilidade e velocidade na troca de informações e análise de dados – a grande lacuna entre o varejo de farma e o varejo de carnes. Se o nosso setor não tem isso, perdemos a oportunidade de tomar decisões objetivas e assertivas, quando pensamos no setor como um todo.
Futuro Açougue. Quais são os três principais diferenciais em relação à realidade atual do mercado de carne?
Ao pensarmos no atual mercado de carne e na importância de nos alinharmos à experiência do consumidor, três fatores que podem auxiliar no reposicionamento dos açougues são a atmosfera de loja (aspecto visual, sensorial, com as ações de degustação, auditiva, tátil, olfativa), a administração dos recursos (pessoas, equipamentos, estoque, dinheiro) e o controle sanitário, garantindo segurança do alimento comercializado.
É imprescindível que os açougues tenham um visual atrativo e que façam brilhar os olhos dos clientes. O espaço em si deve conseguir esclarecer a dúvida do consumidor, sem que ele precise falar com alguém, caso prefira, transmitindo toda a informação que for possível por meio da arte visual, como rótulos e layout da loja.
A degustação, um movimento simples dentro dos estabelecimentos, aproxima ainda mais o consumidor, fazendo com que ele tenha certeza de que valha a pena investir na escolha.
Já a eficiência e o controle sanitário, que fecha esse trio, envolve duas estratégias internas: eficiência e tecnologia. A iniciativa além de reforçar a importância extrema de um controle sanitário bem executado na operação diária, no Território da Carne também enfatizamos a relevância de investir em equipamentos que facilitem as atribuições dos colaboradores e, consequentemente, otimizem a entrega de produtos que atraiam a atenção do cliente.
Como está visualizando a construção de um mundo com mais açougues do que farmácias?
Partindo do pressuposto de que as pessoas consomem mais alimentos do que medicamentos, penso ser um contrassenso termos 40% mais farmácias do que açougues no Brasil. Evidentemente que as pessoas não compram carne somente neste tipo de estabelecimento, mas uso essa comparação como forma de provocação para aumentarmos nossa consciência para o fato.
O que será que as farmácias estão fazendo que nós, do comércio de carnes, não sabemos fazer? Por que eles abrem tantas unidades com uma certa facilidade enquanto nos perecemos para administrar o negócio e manter a operação em pé? São essas as perguntas que eu faço durante palestras e aulas, trazendo as respostas de que o associativismo é a grande chave.
O pequeno empresário tem pouco ou nenhum acesso a informações relevantes e atualizadas que podem ser determinantes para o sucesso da sua loja. Dificilmente consegue uma negociação competitiva com fornecedores, já que sua compra tem um pequeno volume, não se atenta às “pegadinhas” de taxas de adquirentes de cartão ou mesmo não faz um planejamento tributário vantajoso para o que pretende no futuro. Essas e muitas outras coisas passam a ser responsáveis por uma taxa de insucesso, mesmo quando o empresário tem muita vontade de fazer dar certo.
Sendo assim, defendo que o caminho para termos um Brasil próspero, com mais estabelecimentos que vendem SAÚDE, como o açougue e menos estabelecimentos que “remediam” a saúde, é nos unirmos. Andarmos em tribo, associados, trocando informações, ferramentas e práticas, como num grande mastermind, capaz de mitigar os riscos da atividade e acelerar o acesso aos resultados que irão manter o negócio em expansão.
Essa é uma das grandes missões do TC com a nossa comunidade, o P580!
A carne bovina se tornou um produto de luxo. Como você vê o consumo per capita no futuro?
O maior desafio do aumento do consumo per capita é a compreensão de que a carne pode e deve estar inserida em mais refeições do que somente a principal, em uma, no máximo duas vezes ao dia. Existe uma possibilidade de aumento deste consumo quando pensamos em atrelar a ingestão de carne em refeições não convencionais ou informais, como os próprios snacks. Isso é uma tendência de mercado. As pessoas estão com uma vida cada dia mais dinâmica e menos estruturada, o que afasta o consumidor do consumo da carne vermelha e aproxima do consumo de outros tipos de alimentos industrializados. Deixo claro que eu não me posiciono favorável a esse movimento, mas ele está posto e temos que aprender com ele.
Sendo assim, se quisermos que a carne esteja presente em mais momentos do dia, precisamos investir no desenvolvimento de produtos de fácil consumo, preparo e acesso, daqueles que estejam a uma embalagem de distância, mas ao mesmo tempo seja saudável e prático para qualquer hora do dia.
Além do trabalho de desenvolvimento de produtos, é preciso que o setor se organize para comunicar melhor os benefícios do consumo desta proteína de origem animal. Hoje, já temos ciência séria embasando essas afirmações. O que nos falta enquanto setor é organização e ação! O Território da Carne tem sido pioneiro neste movimento e quer seguir ajudando a espalhar esta mensagem.
“Me deparei com a pergunta: quero seguir sendo a pequena entre os grandes ou ser a grande entre os pequenos?”
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