“O Ironman do Agro 4.0”
Paulo Dancieri nasceu no interior de São Paulo numa família que há gerações combina a produção pecuária com a indústria de balanças e troncos. Passou por várias fases profissionais. Após conclusão do curso de direito iniciou uma carreira como promotor de justiça atendendo sua vocação de contribuir para causas públicas.
Anos depois, a família o chamou para assumir a gestão da COIMMA, empresa líder em balanços e troncos, onde iniciou o processo da transformação implantando inovações tanto na tecnologia como na gestão. Reforçou seu conhecimento através de cursos e mestrados em universidades brasileiras e no exterior.
Tornou-se membro da associação internacional de executivos YPO (Young President´s Organization) continuando a dedicar tempo para as diversas disciplinas de Ironman.
Há seis anos criou a empresa BovExo que desenvolve sistemas de gestão sofisticados para o setor da bovinocultura 4.0. Com esse perfil Paulo acumulou habilidades na gestão pública, como executivo industrial, como empreendedor no segmento de alta tecnologia na gestão de fazendas, bem como mentor e orientador durante algum tempo com um programa próprio de TV.
Confira a entrevista!
Nascer numa família industrial na 3ª geração, isto é, oportunidade ou desafio para a definição do rumo de um futuro herdeiro/sucessor?
Se a pergunta fosse quanto a definição de carreira enquanto “vocação”, responderia, certamente, que seria um enorme desafio, senão uma grande barreira. Como a pergunta veio no sentido do meu futuro enquanto herdeiro/sucessor, devo dizer “ambos”.
Primeiramente uma grande oportunidade, afinal nascer em um ambiente com “chances” de crescer próximo ao mundo dos negócios, do empreendedorismo e da geração de riqueza não é um privilégio para muitos.
Mas penso que será uma oportunidade menos em razão da condição de nascimento neste ambiente e mais em razão de ser educado, ainda que, por vezes, informalmente, sobre esta realidade e suas consequências. De outro lado, um enorme desafio, pois, como disse, a falta de educação familiar clara acerca dos limites entre temas como propriedade, negócio e patrimônio pode ser uma das maiores causas de infelicidade profissional, e no meu ponto de vista, um dos principais pivôs dos futuros imbróglios familiares que levam à extinção da maioria das empresas familiares até a terceira geração.
“Por incrível que pareça, não me vejo parando jamais de sonhar e de materializar os meus sonhos.”
Crescer numa cidade de porte médio no interior de São Paulo é diferente de passar a adolescência numa metrópole?
Certamente. Para o bem, e para o mal. Aos 12 anos de idade, me mudei de Dracena para Campinas, uma grande cidade e a partir daí, tive o privilégio de viver em muitas grandes cidades em várias partes do país.
Esse fato, se de um lado me privou do convívio das minhas primeiras amizades e de muitos familiares, de outro, me permitiu formar minha personalidade a partir de valores como diversidade cultural e social, o que não tem preço. Além disso, conquistar meu espaço em novos lugares, onde ninguém conhecia meu sobrenome ou história, foi um dos maiores combustíveis para minha busca de crescimento pessoal, educacional, e futuramente, profissional. Isso me deu “musculatura” para a vida e para as decisões difíceis.
Tendo nascido no campo e fazendo parte de uma família industrial com produtos para a pecuária não teria sido mais adequado fazer um curso na agronomia ou engenharia? O que o motivou estudar direito?
Às vésperas do vestibular, eu não fazia a mínima ideia de que curso desejava fazer. Sabia que não tinha vocação para área de exatas ou cálculos (embora sempre tenha gostado muito de física), mas pelo meu perfil humanístico, e muito por influência da minha mãe, acabei optando pelo curso de Direito, pois tinha a percepção, à época, que este curso poderia me proporcionar uma gama de opções de carreiras no futuro. Entrei na faculdade pensando muito na carreira diplomática, mas já no primeiro ano, me apaixonei por Direito Penal, e após assistir a uma sessão do Tribunal do Júri, sabia que me tornaria um Promotor de Justiça. Nada mais me caberia no Direito a não ser o Ministério Público.
Após quatro anos de função pública como jovem (Promotor de Justiça) mudou o rumo e entrou na empresa da família. Foi mais a decepção com o ambiente do seu trabalho ou a atratividade de ampliar seu espectro de ação na vida empresarial, ou ainda, a chamada da família para se juntar à empresa?
Nenhuma decepção com meu ambiente de trabalho. Como costumo dizer que saí do Ministério Público, mas o Ministério Público jamais saiu de mim. Honro e respeito esta escola, e sobretudo os meus colegas que lá deixei e a quem tanto admiro e continuam me inspirando tanto e fazendo continuar a acreditar que nosso país será um país cada vez melhor.
O que se passou, na verdade, foi que em um dado momento eu olhei para o futuro e não consegui me enxergar me aposentando como um “funcionário público". Não sabia bem o que queria fazer, mas uma inquietação grande começou a me fazer pensar em outras coisas. Jamais cogitei que tivesse algum tino para negócios, muito menos para empreender, mas sabia que minha vida profissional não terminaria ali. (A sensação de poder de ter as rédeas da vida em nossas mãos e de que, neste mundo, jamais estamos predestinados a nada, para mim, é libertadora).
Por coincidência (ou não,) durante umas férias, numa conversa com meu pai, ele vira para mim e ventila a ideia de que um dia eu deveria ir trabalhar lá na empresa. Primeiramente aquilo me chocou e pareceu despropositado (e desajuizado também), mas acho que a semente foi plantada e acabou germinando. Meses depois, amadureci esta ideia junto a ele, e os demais familiares, e com o apoio de uns e resistência de outros (da família), decidi pedir exoneração do MP e começar do zero, minha carreira, lá na empresa.
Qual foi a estratégia e a comunicação com share e stakeholders que permitiu você modernizar a empresa familiar que já antes era bem-sucedida?
A estratégia foi muito simples (embora não tão fácil de implementar e ser aceita por alguns da família): a COIMMA precisava parar de focar toda a sua proposta de valor na qualidade de seus produtos e precisava a oferecer algo que ia além de tronco e balança: chegava a hora de ajudar ao pecuarista entender e saber o que fazer com os dados (peso do animal) que extraiam de suas balanças. O DNA da empresa, eminentemente metal mecânico, deveria sofrer uma mutação. Imobilizar apenas um boi (por meio de um equipamento de contenção) era apenas parte do valor possível a ser extraído.
Precisamos deixar de ser uma empresa de troncos e balanças e passar a ser uma marca de sensores para captação de informações e processadores digitais dessas informações, para que o pecuarista passasse a se valer de algo além de uma ferramenta de mensuração: nosso cliente estava carente das alavancas que ampliariam a sua apertada margem de lucro.
Para isso, ampliamos nosso discurso, expandimos os nossos círculos restritos de relações (clientes-parceiros) para um ecossistema mais abrangente de pessoas. Introduzimos mais educação e informação, e sem perder a obsessão por nossos serviços e clientes, nós lançamos de cabeça nos ambientes de conhecimento e tecnologia, e numa dessas alianças, fomos para perto da EMBRAPA. A partir daí, nasceria a primeira plataforma da Internet das Coisas da Pecuária de Corte Brasileira, que mudaria para sempre a história de pecuária brasileira, bem como a história da própria COIMMA.
Eu costumo dizer que começamos a digitalizar a pecuária, e porque digitalizamos a pecuária, começamos a nos digitalizar internamente.
Foi mais a dinâmica empreendedora ou as limitações de uma indústria especializada em equipamentos que incentivou você a mais uma vez buscar novas oportunidades e desafios inovando no segmento de serviços para ajudar na implementação da pecuária de precisão?
Ambos. Como nunca consegui pensar a curto prazo, me incomodava muito a fase de estagnação tecnológica que atravessamos. Eu simplesmente não conseguia identificar inovação em uma empresa inserida em um ambiente onde eu previa que seria dominado, em pouco tempo, pela inovação. Isso foi em 2009.
Ninguém falava em startup. Se é que havia alguma naquela época, nem era reconhecida como tal. Hoje somos mais de 1500 startups de agronegócio no Brasil. Imagina se não tivéssemos pensado um pouco além?
“Eu costumo dizer que começamos a digitalizar a pecuária, e porque digitalizamos a pecuária, começamos a nos digitalizar internamente.”
Como uma startup de tecnologia pode assegurar sua vantagem competitiva enfrentando o tsunami de novas AgTechs e aplicativas que nascem todos os dias nos campuses das principais universidades do País?
Resposta de um bilhão de dólares, que se eu tivesse, certamente não compartilharia aqui pelas próprias razões de vantagem competitiva que você traz (risos). Brincadeiras à parte, penso que startup, scale-up ou empresa incumbente, todos estes entes, precisam se preocupar em endereçar uma dor real do seu cliente. Aprendi uma vez, que startups nascem, de um lado, em um ambiente gasoso, muito etéreo (e talvez por isso, 90% morrem).
Na outra extremidade, temos as grandes empresas incumbentes, erigidas sobre rocha firme. No meio está o ambiente líquido, as Universidades e escolas técnicas, o lugar onde tudo deveria se encontrar e se mitigar. O que é gasoso passa a tomar forma; o que era sólido como uma rocha, passa a se esmaecer. As empresas começam a ter os seus spin-offs e as startups começam a entender que é um negócio, pois por mais atual que seja este “pitch” de mundo “exponencial”, uma empresa não deve ser apenas fruto de especulação e multiplicação de valuation para venda posterior para investidor.
Saber operar muito bem nesta realidade líquida, plástica, moldável, e resiliente, no meu ponto de vista, pode ser uma boa forma de sobreviver. E não foi do ambiente líquido que tudo se criou, inclusive nós e a própria vida na Terra?
Existe uma idade mínima para ter sucesso numa startup, considerando o índice de insucesso e a consequente decepção que caracterizam essa atividade?
Não faço a mínima ideia. Eu tenho 41 anos, estou recomeçando pela terceira vez minha carreira profissional como empreendedor e fundador de startup de inovação para a Agropecuária e espero que seja bem-sucedido com ela independente de não ter mais 25 anos. (risos).
Com a experiência de promotor de justiça, CEO de uma empresa que ganhou destaque na Revista Forbes e agora inovando mais uma vez na gestão de sistemas agropecuárias com ferramentas de inteligência artificial, o que resta para ser conquistado no futuro?
Por incrível que pareça, não me vejo parando jamais de sonhar e de materializar os meus sonhos. Não tenho bem clara essa visão de futuro (pós, ou paralela à BovExo), mas apenas insights. E esses insights me levam a sensações ligadas à educação, virtudes, equilíbrio corpo, mente e alma.
Quais são seus três conselhos para jovens na fase de decisão de seu caminho profissional?
Primeiro conselho: tenham coragem (e se não tiverem), a exercitem até a possuir em doses suficientes para conseguir ouvir o seu dom, aquilo que te torna singular neste mundo (sim, sempre há algo que nos torna único e para qual somos vocacionados), embora quase nunca encorajados a acreditar que isto seja verdade. Nem sempre acertamos na primeira, mas poder evoluir e se aperfeiçoar é uma grande dádiva, além de muito divertido.
Segundo Conselho: expandam o seu limiar de dor e se incomodem sempre com o conforto. Na dúvida do “como” e “por onde” começar, apenas dê um passo, embora possa parecer ao léu (não será). Se você não consegue ter tempo ou disciplina para visualizar o seu futuro, é porque está com distorções nas suas prioridades.
Terceiro Conselho: escolha com quem você quer ir ao futuro. Talvez umas das poucas coisas sobre o futuro com a qual devamos nos preocupar no presente. Aprenda a arte de respirar e relaxar. Afinal, nossa vida (incluindo nossa carreira e nossos negócios) funciona como um patinador no gelo: um pouco vai onde quer ir e um pouco onde o leva os seus esquis.
“Se você não consegue ter tempo ou disciplina para visualizar o seu futuro, é porque está com distorções nas suas prioridades.”
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