A pecuarista Erika Bannwart, presidente do Grupo Pecuária Brasil Rosa, é uma das herdeiras da Fazenda do Engenho no interior de São Paulo. Cresceu junto com quatro irmãs.
Sempre buscou aprimorar em tudo que faz em cursos e eventos, menos no caminho tradicional académico. Como os tempos nas últimas décadas oscilaram entre avanços e crises, desenvolveu a qualidade de resiliência, sempre ajudada por uma visão criativa do mundo. Hoje, organiza encontros anuais em sua fazenda para estimular a troca de experiências num setor que incorpora cada vez mais tecnologia. Erika, de origem suíça, combina racionalidade com a paixão pelo campo, onde atingiu visibilidade na produção de bezerros de elite.
Das cinco filhas dos seus pais, três procuraram formações acadêmicas e apenas você e sua irmã mais velha optaram por permanecer na fazenda onde trabalharam desde a infância pilotando tratores e montando cavalos. Qual foi a influência dos seus pais para estes caminhos distintos das filhas?
Vejo duas realidades que contribuíram para as decisões. Primeiro, naquela altura, a vontade dos pais do interior era oferecer para seus filhos estudos universitários e, assim, a perspectiva de mudar para a capital.
E isso funcionava enquanto tivesse dinheiro. Quando começou a apertar, os filhos mais novos não tinham oportunidades iguais aos irmãos.
Ocorreu várias vezes que houve crises na produção de café e outras culturas em nossa região, abrindo espaço, nomeadamente nas terras menos produtivas, para a criação de bovinos. Ainda mais com a necessidade de dividir as terras com irmãos e primos e considerando o perfil de personalidade do meu pai, um homem inteligente e honesto, mas com pouca vontade de brigar, houve vários cortes nas fazendas herdadas.
Olhar menos para o dinheiro e mais para a natureza, além de atender às vocações das filhas mais novas, o problema se tornou oportunidade para minha irmã e eu seguirmos nossos sonhos. Até tentei entrar num curso de zootecnia, mas gostei mais do trabalho na fazenda. E quando nosso pai ficou doente, eu fiquei contente por ser chamada para manter a produção no campo. Por isso, e por preferir a natureza ao urbano, voltei para onde estou ficando até hoje, na propriedade da família no município de Pirajuí, no interior de São Paulo.
O outro motivo era mais individual. Na escola, minha matéria preferia era matemática. Nunca gostei muito de estudar, e mesmo assim, tive facilidade nessa disciplina. Com essa vocação, juntamente com minha preferência de manter as coisas organizadas e limpas, foi natural eu assumir a contabilidade, sempre analisando como poderíamos melhorar a gestão para aumentar o resultado e manter a propriedade, mesmo em tempos difíceis. Já na infância preferi dirigir camionete e montar cavalo, acompanhando meu pai.
A minha mãe, que também não pensou em largar a fazenda para mudar para a cidade. Mesmo com seus 96 anos ela continua vivendo e trabalhando na horta. Nunca admitiu que alguém jogasse uma bituca no jardim.
Diferente das suas outras três irmãs, você não se interessou por uma carreira profissional com prestígio e segurança financeira. Como explica sua paixão para o campo e os animais?
Eu acho difícil explicar porque a gente tem uma paixão pelo campo e pelos animais ou para trabalhos no escritório ou no comércio. Não me vi morando entre prédios urbanos. Assim, penso que é mais uma característica com a qual a gente nasce e menos uma escolha consciente. Mesmo assim, demorei muito para ter a coragem para navegar contra a maré, deixando o curso de zootecnista para ajudar meu pai na fazenda.
Sua família atual é composta por três gerações ativas com 14 mulheres e dois homens (netos). Tendo vivido sempre num ambiente feminino, como você se preparou para vencer na pecuária, um setor masculino e bastante robusto?
Sempre vivi mais com mulheres do que homens. Todavia, a gente que morava no campo, não sentia isso como uma realidade diferenciada. Talvez uma frase do meu pai que ele falava para todo mundo pode dar uma luz: “Não trocaria nenhuma das cinco filhas por nenhum homem”. Quem sabe se essa colocação, muitas vezes repetidas, tenha me marcado para toda a vida. Acho que ele me deu o sentido de uma palavra que eu não gosto muito, me deu empoderamento para trabalhar com naturalidade num setor com característica masculina.
Minha mãe tinha cinco filhas, seis netas e um neto que faleceu com 29 anos. Desta forma, sempre vivi neste ambiente feminino, mas sem algum sentido de orgulho ou de preocupação. Meu pai sempre me deu o aval para aquilo que a gente gostava e fazia. E isso, certamente foi um elemento de força para conquistar resultados e para reerguer-se após perdas materiais ou emocionais. Naturalmente, tudo isso ajudou para a trajetória minha e da minha irmã, a minha sócia e melhor amiga até hoje. Sei que em muitos casos a posição de mulheres não é tão fácil. Até dez anos atrás, quando formamos o GPB Rosa de pecuaristas femininas, eu me sentia muito sozinha, uma mulher no setor de produção de gado. Até lembro que os vizinhos, que pagam mais para os homens do que para as mulheres, me olham com suspeita. Aliás, nada estranho num negócio onde todos desconfiam, reclamam e invejam os colegas.
Contudo, as coisas mudaram quando surgiu a ideia de formar um grupo de mulheres (GPB Rosa) dentro de uma plataforma de interação de pecuaristas, o Grupo Pecuária Brasil. Organizamos um churrasco na minha fazenda e constituímos em pouco tempo este grupo que continua crescendo. Iniciamos uma comunicação continua trocando informações e respondendo perguntas técnicas e de preços através do nosso WhatsApp. Notamos que a maneira e frequência de comentários, perguntas e respostas era bem maior do que na plataforma dos homens, pois participamos mais ativamente no aplicativo.
Ao mesmo tempo fui convidada para fazer parte do NFA (Núcleo Feminino do Agronegócio) de proprietárias e gestoras de fazendas de diversos Estados. Notei, que a maioria dessas mulheres tinham formação em outros ramos como advocacia, psicologia ou medicina. Aprendi que mulheres que são chamadas para cuidar de fazendas, diferente de filhos sucessores que muitas vezes abandonam o negócio familiar, estudam com afinco as questões técnicas e normalmente são bem recebidas pela equipe, majoritariamente composta por homens.
Mesmo sem formação universitária você se tornou produtora de bezerros de elite que são comprados antes do seu nascimento por uma clientela fixa. Como aprendeu trabalhar no nível tecnológico tão sofisticado, além de mostrar grande capacidade de gestão financeira?
Como eu, sem formação superior, me tornei produtora de Bezerros de elite com uma clientela fiel e exclusiva? Não sei. Talvez seja porque sempre fui muito caprichosa em tudo que faço. Sempre tive curiosidade de saber os detalhes técnicos e estudar maneiras de melhorar as rotinas. Para isso, troquei experiências com pessoas e entidades, assisti palestras e participei de encontros com objetivo e aprimorar minha forma de enxergar e concretizar os processos. Desde o início estudei e apliquei as tecnologias da inseminação artificial para constantemente aprimorar o material genético para os bezerros que vendi.
Procurei cursos e literatura de especialização e fazia parte de grupos que estavam na vanguarda de tornar a pecuária mais eficiente, rentável e sustentável. Além disso, aprendi com meu cunhado que teve um frigorífico como fazer planilhas com informações técnicas, gestão de estoques e projeção e controle de fluxos financeiros. Isso naturalmente, foi facilitado por minha vocação matemática e minha maneira de anotar tudo e guardar em arquivos.
Fazendo parte do grupo seleto das 100 mulheres mais influentes do Agronegócio da Revista Forbes e como membro e conselheira de diversas associações do setor você conhece muitas produtoras e produtores no Brasil. Olhando para a próxima geração, você acha que no futuro alguém sem uma formação formal consegue conquistar uma trajetória de sucesso igual a você e sua irmã, sócia sua nas fazendas?
Não é fácil prever tendências num mundo, que com a inteligência artificial, muda tudo com uma velocidade quase insana. Certamente, vai ter a necessidade de continuamente aprender, buscar novas informações e conviver com processos disruptivos. Por outro lado, alguns pilares da convivência geracional milenar certamente vão ser necessários para manter o equilíbrio mental e físico de todos. Em nosso setor, o uso de aplicativos cada vez mais acessivos ajudará a manter uma posição competitiva no mercado.
Os jovens do campo me parecem privilegiados pelo contato com a natureza, não só na fazenda, mas também nas cidades do interior que oferecem crescimento maior do que os centros urbanos. E, a cada vez maior e eficiente comunicação com tudo, complementam as vantagens que a convivência em cidades melhores oferece, inclusive financeiramente.
Naturalmente, será necessário os jovens buscarem um nível de formação maior do que a geração anterior que trabalhou mais com a força e a dedicação. A complexidade de tudo em torno da produção rural, exige cursos de especialização que não necessariamente envolvem diplomas universitários. O que nós conquistamos com muito trabalho, vontade e inspiração, os jovens podem conseguir com aperfeiçoamento técnico em todas as áreas relevantes, desde a produção de animais, boas ligações online com fornecedores e clientes, além de observar as necessidades de uma produção mais sustentável.
Qual é sua abordagem no treinamento e na motivação de seus trabalhadores de campo para assegurar a qualidade e o cuidado necessários para produzir bezerros de alto valor?
O respeito deve reinar em todos os relacionamentos com cada indivíduo da equipe. O salário, que sempre deve estar num bom nível em relação com os vizinhos, é apenas um fator de motivação.
O cuidado com as esposas das famílias que vivem na fazenda, o envolvimento de seus filhos, como se fossem os futuros sucessores, cria um clima de confiança que aumenta o bem-estar de todos e facilita o ensinamento de técnicas novas para manter o nível de qualidade da produção de animais de valor agregado.
Afinal, vivemos num mundo novo, onde os proprietários e os membros da equipe produzem em conjunto o resultado da fazenda. Nomeadamente as mulheres possuem talentos para promover esta mudança de convivência no campo.
Olho:
“Sempre tive curiosidade de saber os detalhes técnicos e estudar maneiras de melhorar as rotinas.”
Por Francisco Vila