Entrevista Perfil Agro - Chao En Hung

Chao En Hung nasceu em 1958 em Taiwan. Em busca de uma nova vida, sua família imigrou para o Brasil em 1966, quando ela tinha oito anos.

Batalharam bastante para se adaptarem à nova cultura, totalmente distinta. Com esforço e determinação, superaram os mais diversos obstáculos e prosperaram. Chao formou-se em Medicina pela USP e fez residência em Clínica Médica no Hospital das Clínicas da FMUSP. Abriu hospitais, fundou escolas, trabalhou no mercado financeiro por vinte anos, tornou-se fazendeira pioneira em Mato Grosso (criadora de Brangus) e Piauí (touros Nelore PO), além de continuar expandindo seus negócios. Atualmente, dedica-se ao agronegócio e representa um importante elo de intermediação de interesses sino-brasileiros na área. Em 2020 publicou o livro “Da China ao Brasil” tornando-se também escritora.

Mãe de três filhos, Carolina, André e Patrícia, e avó de quatro netos, Chao é uma mulher realizada. Determinada, energética e esportiva, vive em São Paulo e desloca-se de bicicleta pelas ruas e avenidas da cidade.

Em entrevista exclusiva a Perfil, Chao compartilha sua trajetória, uma belo exemplo de mulher multifacetada.

Confira!

Durante sua vida construiu legados em diversos segmentos da economia. Como profissional trabalhou muitos anos como médica e em negociações internacionais Brasil-China (financiamentos e soja). Como empresária criou hospitais e investiu em fazendas. Como cidadã, envolvida em questões sociais, criou escolas. Quais dessas atividades lhe deram maior satisfação e realização?
A atividade que mais me deu satisfação e realização foi morar e construir minha vida na Água Boa – MT. Trata-se de uma pequena cidade que em 1985 contava com apenas 7.000 habitantes. Nessa época não existia quase nada de serviços e infraestrutura.

Isso ofereceu a oportunidade para eu contribuir com o crescimento e desenvolvimento do município nos segmentos de educação, saúde e financeiro. Foi edificante a sensação de estar crescendo junto com a cidade com resultados brilhantes. Um desses exemplos de modernização da comunidade foi o fato de o nosso hospital ser considerado o melhor de MT nos anos 90. Além disso, montamos a primeira escola cooperativa Cooperensino conveniada com a escola Positivo de Curitiba. Montamos também a primeira Sicredi do Centro Oeste, enfim, são todas ações importantes para o desenvolvimento da região. Nessa época criou-se uma cultura de estudar, fazer faculdade, tanto que toda a geração dos meus filhos fez faculdades, principalmente em Goiânia ou Cuiabá.

A sua mãe foi uma das pioneiras femininas frequentando a universidade no interior da China antes do período do comunismo. Depois ela migrou com a família para o Taiwan onde executou um papel de alta liderança no governo. Porém, seu pai, agrônomo, procurou uma nova vida no Brasil. Como era a prática dos imigrantes chineses, pai e mãe, ambos acadêmicos, que financiaram a vida da família trabalhando muitos anos como vendedores ambulantes. Como essas experiências, status sociais e contradições culturais impactaram nos três filhos, todos bem formados e brasileiros?
A minha mãe estudou em Nanjing que, na altura, era a Capital da China. Após a revolução comunista a família mudou para Taiwan, onde eu nasci antes da mudança para o Brasil.

Vivemos assim três momentos e culturas diferentes. Como isso impactou na formação dos filhos com mãe asiática e pai brasileiro? É importante lembrar que a base do sucesso dos filhos é a educação. Apesar dos meus pais ganharem a vida como vendedores ambulantes quando chegaram no Brasil, ambos vieram de famílias cultas e ambos eram bem formados academicamente, valorizavam a educação acima de tudo. Foi esse o padrão de educação para mim e meus irmãos. E foi assim que nós criamos os nossos filhos.


Relativamente à profissão de vendedor ambulante, essa era uma das poucas opções que os imigrantes chineses descapitalizados tinham. Porque além de não exigir muito do conhecimento da língua, podiam pegar a mercadoria sob consignação e pagar após a venda. Durante décadas, isso foi uma atividade num mercado informal, mas muito bem organizado.

Quem conhece sua trajetória sabe do seu perfil eminentemente prático de empreendedora. ‘Como’, ‘quando’ e ‘por que’ resolveu escrever um livro que vale a pena ser lido por todos que pretendem compreender de onde vem e para onde vai o mundo?
Ser escritora nunca foi o meu foco. Escrevi esse livro para os meus descendentes, para saberem, com detalhes e na ordem cronológica, de onde nós viemos. Seria a base de referência para o legado da família. Depois achei que poderia ser interessante para amigos, imigrantes chineses e depois foi aos poucos sendo divulgados no mercado. Trata-se de um retrato de muita mudança ao longo do tempo. Contudo, as bases culturais continuam a ter um forte impacto nesse mundo em


transição contínua.

Ao chegar no Brasil nos anos 60 sua família teve que trabalhar muito para construir uma nova vida para os três filhos. Você relata com certo orgulho que desde os 12 anos (dando aulas para outros alunos) se tornara financeiramente independente dos seus pais. Quando nasceram seus filhos você já estava num patamar financeiro bastante confortável. Como passou as experiências dos avôs, dos seus pais, sua própria maneira de ser e de trabalhar para seus filhos que já estudavam nas melhores escolas?
Quando você está numa situação financeira melhor, é mais difícil passar certos valores já que a situação econômica e o meio mudaram. No entanto, alguns valores eu fiz questão de repassar a família. São basicamente essas:
Manter o padrão de vida confortável, porém sem excessos;
Toda vez que os filhos pediam algo, sempre perguntava se era luxo ou necessidade. Se for luxo, eu dizia que era para eles comprarem com o seu recurso próprio quando crescerem. Quando era necessidade, sempre tinham acesso;
Valorizar muito a educação, formação e viagens que faz parte de uma boa formação cultural.

Mas confesso que não é simples, posso dizer que todos os meus três filhos são trabalhadores, vivem com conforto, porém são simples e sem exageros.

A família oriental costuma zelar pelo respeito. O individualismo da cultura ocidental, nomeadamente nestes dias de transformação profunda, não consegue preservar esses valores tradicionais. Olhando para a Ásia hoje (China e Índia, países que conhece bem) você observa uma tendência semelhante de perda de valores compartilhadas entre as gerações?
Com certeza, mas ainda é bem melhor do que o ocidente. Na China por exemplo, culturalmente falando, o filho mais velho ainda mora sempre com os pais mesmo casado. O número de casas de idosos na China é bem menor que no ocidente. Um filho que não assume a velhice dos pais é malvisto pela sociedade.

“Sou uma pessoa curiosa por natureza, sempre tem novidades para ver e aprender tanto que antes da viagem eu sempre estudo os aspectos geopolíticos, a religião dos lugares que eu iria visitar.”

É interessante que cada um dos seus três filhos ocupa profissionalmente apenas uma parte do seu conjunto de atividades. Seu filho criou sua clínica própria. A filha mais nova se tornou partner de um banco de investimento, enquanto a outra filha gerencia as fazendas da família, a maior parte de forma online. Cada um escolheu seu caminho sozinho, ou teve apoio ou pressão dos pais?
O filho é médico e criou seu próprio consultório, a filha mais velha, formada em economia e gestão, se tornou partner de um banco de investimento. Não teve nenhuma pressão, foi realmente a opção de cada um deles, a caçula Patrícia fez economia e cuida das finanças da família. Todos seguiram suas vocações pessoais e profissionais e deu certo sem intervenção ou pressão da minha parte. Entenderam que o sucesso depende da capacidade de enxergar opções que a vida e o mercado oferecem e que a escolha deve ser feita em conformidade com os talentos, preferências e objetivos concretos e realizáveis.

Olhando para as fotos dos seus netos acha que conseguirá perpetuar parte das experiências e valores que certamente fazem parte do seu sucesso pessoal e profissional para esta geração?
Acho que vamos tentar buscar perpetuar esses valores, mas confesso que é mais difícil porque começam a entrar outras famílias com outros valores no meio da nossa. Juntamente com um ambiente cada vez mais complexo, a ampliação da família como unidade está diluindo e distanciando cada vez mais os meus valores. Através de reuniões regulares e consultas entre todos os membros sobre assuntos relevantes conseguimos manter uma atmosfera coletiva que beneficia todos.

Enxergando um crescente afastamento social (famílias, colegas, amigos) sua prática de, juntamente com colegas, professores e amigos, exercer o corpo e a mente num grupo de ciclistas (quase profissionais) pode afirmar que descobriu uma fórmula para manter amizades e diálogos construtivos?
Com certeza. Além de fazer tudo de bicicleta em SP, tenho um grupo de amigos ciclistas composto principalmente de amigos da faculdade de medicina. O esporte e os velhos amigos são ingredientes fundamentais para manter uma boa amizade e atividades sociais criando um ambiente mais sólido e confortável. O esporte tem um elemento libertador de tensões e isso torna a vida mais saudável e agradável.

Dedica bastante tempo a viagens internacionais com perfis culturais e de aventuras muito especiais. Nessas andanças costuma ampliar o leque dos seus destinos que costuma frequentar com regularidade?
O mundo é muito grande, diversificado e colorido. Sou uma pessoa curiosa por natureza, sempre tem novidades para ver e aprender tanto que antes da viagem eu sempre estudo os aspectos geopolíticos, a religião dos lugares que eu iria visitar. Os últimos lugares que eu visitei foram Butão, Nepal, Tibet e Dubai. Cada lugar com sua cultura, sua religião, seu governo, sua política, seu povo e principalmente o seu resultado final. É extremamente interessante observar de perto todos esses aspectos.


“Meus filhos entenderam que o sucesso depende da capacidade de enxergar opções que a vida e o mercado oferecem e que a escolha deve ser feita em conformidade com os talentos, preferências e objetivos concretos e realizáveis.”

 

 


Fotos: Divulgação Família

 

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