Produzir e Preservar é Possível!
Fazenda Santa Brígida
A trajetória de Marize Porto.
Marize é formada em Odontologia, com pós-graduação em Ortodontia e Ortopedia Funcional, além de proprietária de uma Clínica em Campinas.
Sua história com a Fazenda nasceu de uma tragédia. Em 2002, com três filhos menores de idade, perdeu o marido ainda muito jovem. De uma hora para outra, ela se viu herdeira de uma fazenda em Goiás, a 700 quilômetros distantes de sua casa. Sem entender nada deste negócio, a saída foi entregar a gestão da propriedade a uma pessoa de confiança. Com o passar do tempo, no entanto, percebeu que a fazenda estava piorando. Ao chegar no local, e ver a situação da propriedade degradada e afundada em dívidas, resolveu assumir a administração da Fazenda Brígida.
No bom estilo de uma mulher resolvida bateu na porta da Embrapa e conseguiu mudar o curso da história da propriedade e da região ao aderir ao programa de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF). A seguir buscou parcerias e financiamentos de bancos e empresas líderes de máquinas e outros insumos para promover o salto qualitativo da sua produção.
Em poucos anos atingiu resultados de vanguarda nos três pilares da sustentabilidade. Marize se afastou da profissão de dentista e hoje virou uma divulgadora da ILPF. Ela se tornou referência neste sistema de produção e recebe anualmente, em dias de campo, organizados em parceria com a REDE ILPF visitantes ilustres como ministros, ex-ministros, especialistas em meio ambiente, empresários, investidores, altos executivos de bancos, professores e pesquisadores, alunos e produtores rurais. A divulgação do modelo de produtividade com sustentabilidade contribui para melhorar a imagem do agro brasileiro no exterior.
Quando herdou a fazenda, os conselhos de amigos e familiares foram unânimes: “Vende ou arrenda”. Ninguém falava: “Toca a fazenda!’ Porque não seguiu as sugestões bem-intencionadas?
Porque eu pensei: Se alguém pode tocar, eu também posso! Não queria colocar o nosso patrimônio nas mãos de outra pessoa novamente. Mas eu vi que a coisa não era tão simples quando peguei o livro-caixa da fazenda, com resultados assustadores.
A propriedade degradada precisava de muita correção, de muito dinheiro, de conhecimento tecnológico e de boa gestão, esse conjunto de desafios não a desanimou?
Na verdade, eu acreditei que seria possível! Talvez tenha sido a vontade de comprovar, para mim e para os céticos, que muito é possível quando há determinação e paixão.
Como foram a estratégia e o caminho para concretizar sua vontade de manter e desenvolver a fazenda e como conseguiu obter acesso e atenção da Embrapa e de empresas?
A estratégia foi procurar a Embrapa (Unidade Arroz e Feijão/Goiânia). Fui recebida pelo pesquisador Homero Aidar, contei a situação da fazenda e ele disse que era "muito simples" resolver aquele problema e me deu um livro chamado "Integração Lavoura-Pecuária”. Pedi para que ele resumisse em uma frase o conteúdo do livro. Ele disse que era fácil entender a proposta, que eu ia recuperar o pasto através da agricultura. “Você vai plantar o grão, junto com o grão você vai plantar a semente do capim. O grão nasce primeiro, faz um sombreamento, o capim fica sem luz suficiente para se desenvolver. No momento certo você vai colher e vender os grãos, vai pagar as contas e ter o pasto todo recuperado de volta!”
E como foi o próximo passo?
O próximo passo era organizar e viabilizar aquela proposta que, no livro, parecia fácil. Foi aí que tive um choque de realidade: eu não tinha equipe, não tinha dinheiro, não tinha crédito, não tinha conhecimento e nem máquinas. Então, fiz uma parceria com um vizinho terceirizando todo o serviço de mecanização e comprei os insumos a prazo, para pagar com o resultado da safra. E aconteceu exatamente o que o pesquisador da Embrapa disse naquele dia e que inspirou essa virada da minha vida: Os pastos estavam recuperados, os animais ganhando peso e eu consegui “tirar a fazenda do buraco".
Durante a pandemia lançou o conceito de Santa Brígida Open Farm. Como isso funciona?
O SBOF foi a forma encontrada para mantermos a tradição dos dias de campo num ano em que estes eventos estavam proibidos presencialmente por conta da pandemia. A transmissão online, foi muito bem-sucedida tendo em vista que manteve a mobilização da comunidade do ILPF e tornou o evento acessível a um número muito maior de participantes, dentro e fora do país. O SBOF foi realizado em dois dias, com tradução simultânea, e foi acessado por mais de 20mil participantes interessados. O conteúdo está disponível no site da Rede ILPF, vale a pena conferir! Outra novidade foi a realização da CONFRARIA do ILPF no dia anterior ao SBOF, que contou com a participação de Marcos Galvão, então embaixador do Brasil na Comunidade Europeia e com as principais lideranças do ILPF que de forma descontraída reviveram os bons momentos dos dias de campo realizados de forma presencial na FSB.
Nada acontece sozinho. Como organiza a evolução contínua da fazenda. Quem está envolvido?
A evolução contínua depende de todas as pessoas envolvidas, cada uma no seu setor. Montamos uma equipe com profissionais altamente qualificados, habilitados e bem treinados. E aqui entra um trabalho de mestrado comparando diferentes sistemas produtivos, mostrando que a Santa Brígida é, de fato, diferenciada no treinamento de pessoal. Em relação aos produtores convencionais pesquisados, nossos colaboradores estão sete vezes mais capacitados para diversas atividades, como a operação de diferentes máquinas, de sementes, agroquímicos, segurança do trabalho e saúde do trabalhador, etc.
Como foi a caminhada da Sustentabilidade para a Excelência Tecnológica?
1- Com esse modelo de intensificação sustentável tivemos resultados e rentabilidade que superaram as nossas perspectivas mais otimistas. Continuamos investindo fortemente em tecnologia com o objetivo de ter números que permitam melhorar a gestão.
2- Todas as máquinas da fazenda foram modernizadas para se comunicarem diretamente com os softwares de gerenciamento, enviando informações confiáveis, sem interferência humana sobre as operações.
3- Na pecuária também estamos aumentando a digitalização. Hoje duas balanças de passagem estão colocadas no campo, nas entradas das praças de alimentação. Sempre que o animal entra ou sai o chip preso em sua orelha e a balança se conectam enviando aos computadores informações sobre seu peso de entrada e de saída, o que permite, por exemplo, observar a capacidade de conversão de cada um, e a tomada de decisão em tempo real.
4- Com o uso dessas tecnologias e vários aplicativos aumentamos a atratividade para jovens profissionais voltarem para o interior gerando mais empregos e renda e contribuindo para uma vida mais saudável da nova geração.
Parece que seu DNA encara com uma mente vencedora a solução de situações difíceis, às vezes impossíveis. Desde quando percebeu que esse modo de agir seria sua marca de empreendedora? Já foi assim na escola ou na faculdade, ou nasceu com o desafio de se envolver num setor que não fazia parte da sua formação profissional?
Essa é uma forma de encarar as situações: É CRER para VER! A minha trajetória sempre foi de enfrentamento de desafios e superação. No campo da odontologia não foi diferente, por isso os desafios da FSB mexeram tanto com minha determinação e vontade de construir uma nova história de vida. Nunca fui movida a vaidades ou desejos de ser mais que os outros, apenas trabalhei duro para oferecer um futuro melhor para meus filhos e o País.
Por final, uma questão sobre a próxima geração. Em que momento e de qual forma começou a envolver seus filhos no negócio do campo? Todos seguiram esse caminho?
Desde o início deixei claro que a FSB é deles também e quando se sentirem prontos e motivados a se engajarem no projeto, eu também estarei pronta para recebê-los. Cada um dos três tomou um rumo diferente: a Fabrícia, seguiu a minha carreira na odontologia, o Murilo, é um engenheiro que atua com tecnologia da informação e a Marcela, formada em Engenharia Ambiental, acaba de me dar um presente que muito me orgulha, obtendo o título de Doutora em Ciências Ambientais, pela Universidade de Bangor, no País de Gales. Quem irá dar continuidade a esta jornada, ainda não sei e só o tempo dirá, mas estou confiante que qualquer um dos três filhos têm condições de elevar ainda mais o nível econômico e sócio ambiental da FSB.
Na verdade, eu acreditei que seria possível!
“Se alguém pode tocar, eu também posso!”
A minha trajetória sempre foi de enfrentamento de desafios e superação.
“Nunca fui movida a vaidades ou desejos de ser mais que os outros, apenas trabalhei duro para oferecer um futuro melhor para meus filhos e o País.”
Fotos: Divulgação/Arquivo Pessoal
Por Francisco Vila